O não amor
Mais um trago. Juro que me queima a língua. Confesso que gosto dessa acidez pelas amígdalas. Admito, gosto de me queimar por dentro.
Eis mais um texto que nunca vais ler, mais um pedaço de história que ficou por contar. Há quem construa página a página a sua vida conjugal, nós criamos somente o desamor. Estamos juntos porque gostamos de sentir que temos tudo a perder. Não cremos na verosimilhança do poliamor. Acho que nem mesmo no amor acreditamos. Gostamos de ser presos por vontade. Gostamos de chorar a existência. Gostamos de carpir as mágoas que não temos. Gostamos de cortar todos os tecidos que nos cobrem os órgãos envoltos em músculo flácido.
Não gosto de ti. Quero-te para fingir que não sinto tédio. Quero-te porque preciso de sexo. Ou nem isso. Quero-te porque não sei o que fazer com o tempo que me sobra. E fica-me sempre demasiado tempo…
Ontem voltei a beber. Prometi que nunca mais uma só gota, prometi voltar ao grupo de ajuda, prometi não furtar jóias da casa da minha mãe, prometi sorrir mais vezes a quem se cruza comigo. Nem uma dessas resoluções foi bem sucedida. É a sexta vez que reescrevo as máximas de novo ano. Já estamos em Março, creio que perdi todas as desculpas.
Lembro-me que ontem saíste de casa furioso. Lembro-me de hoje acordar com sangue na testa. Lembro-me do olhar de piedade das colegas de trabalho. E não me lembro de mais nada. Voltei a acordar a meio da tarde numa cama de hospital. Recebi mais uma advertência do patrão e acho que deste mês não passa. Não sei como vamos pagar a conta da luz para o mês que vem, mas também não tenho medo do escuro. Se o tivesse, não viveria aqui contigo. Da escuridão brota toda a tua bestialidade, a qual, de tão ébria, já nem sinto.
Mais um texto que não vais ler, mas tenho pena. Porque não sei o que escrevo e talvez tu me explicasses. Sempre gostaste de me explicar o que se passa dentro da minha cabeça, e eu sempre fiquei extasiada com a desconexão entre as tuas doutrinas e a realidade. Nunca to disse. Gosto que penses de mim o que quiseres. Gosto que digas que pensas mal de mim. Na tua visão pérfida sinto-me tão mais poderosa! Sim, o mal traz-nos uma força quase divina. Se soubesses a verdade, se visses o quão frágil sou, já não estarias aqui. E não é que me faças grande falta, creio até que viveria melhor sem ti, mas ajudas-me a ultrapassar o marasmo dos dias. Agora que não tenho mais para onde ir de manhã, agora que não tenho mais a chave da casa dos meus pais, agora que não tenho mais dinheiro ao fim do mês, agora que recebo uma notificação de despejo, agora que te foste embora e às 11 da noite ainda não voltaste, não sei o que fazer.
Eis mais um texto que nunca vais ler, mais um pedaço de história que ficou por contar. Há quem construa página a página a sua vida conjugal, nós criamos somente o desamor. Estamos juntos porque gostamos de sentir que temos tudo a perder. Não cremos na verosimilhança do poliamor. Acho que nem mesmo no amor acreditamos. Gostamos de ser presos por vontade. Gostamos de chorar a existência. Gostamos de carpir as mágoas que não temos. Gostamos de cortar todos os tecidos que nos cobrem os órgãos envoltos em músculo flácido.
Não gosto de ti. Quero-te para fingir que não sinto tédio. Quero-te porque preciso de sexo. Ou nem isso. Quero-te porque não sei o que fazer com o tempo que me sobra. E fica-me sempre demasiado tempo…
Ontem voltei a beber. Prometi que nunca mais uma só gota, prometi voltar ao grupo de ajuda, prometi não furtar jóias da casa da minha mãe, prometi sorrir mais vezes a quem se cruza comigo. Nem uma dessas resoluções foi bem sucedida. É a sexta vez que reescrevo as máximas de novo ano. Já estamos em Março, creio que perdi todas as desculpas.
Lembro-me que ontem saíste de casa furioso. Lembro-me de hoje acordar com sangue na testa. Lembro-me do olhar de piedade das colegas de trabalho. E não me lembro de mais nada. Voltei a acordar a meio da tarde numa cama de hospital. Recebi mais uma advertência do patrão e acho que deste mês não passa. Não sei como vamos pagar a conta da luz para o mês que vem, mas também não tenho medo do escuro. Se o tivesse, não viveria aqui contigo. Da escuridão brota toda a tua bestialidade, a qual, de tão ébria, já nem sinto.
Mais um texto que não vais ler, mas tenho pena. Porque não sei o que escrevo e talvez tu me explicasses. Sempre gostaste de me explicar o que se passa dentro da minha cabeça, e eu sempre fiquei extasiada com a desconexão entre as tuas doutrinas e a realidade. Nunca to disse. Gosto que penses de mim o que quiseres. Gosto que digas que pensas mal de mim. Na tua visão pérfida sinto-me tão mais poderosa! Sim, o mal traz-nos uma força quase divina. Se soubesses a verdade, se visses o quão frágil sou, já não estarias aqui. E não é que me faças grande falta, creio até que viveria melhor sem ti, mas ajudas-me a ultrapassar o marasmo dos dias. Agora que não tenho mais para onde ir de manhã, agora que não tenho mais a chave da casa dos meus pais, agora que não tenho mais dinheiro ao fim do mês, agora que recebo uma notificação de despejo, agora que te foste embora e às 11 da noite ainda não voltaste, não sei o que fazer.
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