Vendendo a alma ao Diabo (ou a história de um amor interrompido)
Tirei os livros do saco devagar, esses que nunca lias. Peguei neles delicada e cuidadosamente, talvez com medo de encontrar neles tudo o que não gostava em ti.
Peguei nos livros, pousei-os na mesa, olho-os agora longamente. Num olhar pesado, demorado, vazio. Um olhar ausente. Nunca o disseste, não ousarias, mas eu sei que te assustava. Primeiro o assombro da inteligência e da diferença em que me vias, esse que me elevou a um pedestal; depois o susto de uma doença que não entendias; e finalmente a heresia de não ter medo de mostrar a minha fragilidade. Todos a temos em nós, todos, acontece que uns aceitam-na, outros mascaram-na. Eu, que me vejo menos do que sou, aceito-me. Quem diria, não é?
Reparo nos livros: o azul da lombada do meu Orlando acalma-me. Parece que vejo nesses olhos pintados na capa um sorriso teu. E tu correndo na bicicleta trazendo as comprar para casa. E tu rindo do arroz natural do Julian. E tu sorrindo e abrindo os braços para me agarrar... Prendias-me com tanta força que nunca mais de lá saí.
Passaram nove meses. Já não chegas a casa gritando "amor lindoooooooooooo"; já não me mostras no espelho como sou bonita; já não trauteias todas as manhãs ao levantares-te nu da cama; já não me trazes o pequeno almoço, nem me contas o teu dia, nem me beijas com uma lágrima no canto do olho por qualquer coisa que te escrevi.
Devia ter-te mostrado Dorian Gray, em vez do moribundo de Tchekov. Talvez o medo de envelhecer te tocasse mais do que essa "história de um homem que morre". Como me chocou (e exasperou!) essa tua observação simplista! E hoje penso como preferia continuar a ouvir críticas pouco elaboradas de quem ignora a metafísica, mas ter os teus olhos brilhando só para mim, as tuas mãos aquecendo o frio das minhas, viagens em que custam despedidas, o teu corpo abraçando-me na noite.
Olho os livros geometricamente colocados lado a lado. Os livros que leio. Os livros que me fazem sonhar. Os livros que me ensinam. E não, não são mero entretenimento do espírito, são o alimento da alma, são motores de evolução. Apesar disso, hoje rasgá-los, e dobrá-los, e pisá-los, e queimá-los. Vender a alma ao Diabo, acreditar no tarot (e é bom que me diga que voltas!), ir à bruxa, enfeitiçar-te sobre qualquer forma, até doar todos os meus livros, empilhados, povoados de memórias, de imagens, de estórias que o formam e os circundam pela minha própria história. Tudo para voltar a ter-te aqui. Aqui, dentro de mim.
Peguei nos livros, pousei-os na mesa, olho-os agora longamente. Num olhar pesado, demorado, vazio. Um olhar ausente. Nunca o disseste, não ousarias, mas eu sei que te assustava. Primeiro o assombro da inteligência e da diferença em que me vias, esse que me elevou a um pedestal; depois o susto de uma doença que não entendias; e finalmente a heresia de não ter medo de mostrar a minha fragilidade. Todos a temos em nós, todos, acontece que uns aceitam-na, outros mascaram-na. Eu, que me vejo menos do que sou, aceito-me. Quem diria, não é?
Reparo nos livros: o azul da lombada do meu Orlando acalma-me. Parece que vejo nesses olhos pintados na capa um sorriso teu. E tu correndo na bicicleta trazendo as comprar para casa. E tu rindo do arroz natural do Julian. E tu sorrindo e abrindo os braços para me agarrar... Prendias-me com tanta força que nunca mais de lá saí.
Passaram nove meses. Já não chegas a casa gritando "amor lindoooooooooooo"; já não me mostras no espelho como sou bonita; já não trauteias todas as manhãs ao levantares-te nu da cama; já não me trazes o pequeno almoço, nem me contas o teu dia, nem me beijas com uma lágrima no canto do olho por qualquer coisa que te escrevi.
Devia ter-te mostrado Dorian Gray, em vez do moribundo de Tchekov. Talvez o medo de envelhecer te tocasse mais do que essa "história de um homem que morre". Como me chocou (e exasperou!) essa tua observação simplista! E hoje penso como preferia continuar a ouvir críticas pouco elaboradas de quem ignora a metafísica, mas ter os teus olhos brilhando só para mim, as tuas mãos aquecendo o frio das minhas, viagens em que custam despedidas, o teu corpo abraçando-me na noite.
Olho os livros geometricamente colocados lado a lado. Os livros que leio. Os livros que me fazem sonhar. Os livros que me ensinam. E não, não são mero entretenimento do espírito, são o alimento da alma, são motores de evolução. Apesar disso, hoje rasgá-los, e dobrá-los, e pisá-los, e queimá-los. Vender a alma ao Diabo, acreditar no tarot (e é bom que me diga que voltas!), ir à bruxa, enfeitiçar-te sobre qualquer forma, até doar todos os meus livros, empilhados, povoados de memórias, de imagens, de estórias que o formam e os circundam pela minha própria história. Tudo para voltar a ter-te aqui. Aqui, dentro de mim.
2 Comments:
Muito bom, muito romântico.
Exprime sentimentos com grande beleza.
Parabéns :)
Gostei muito... foi uma agradável surpresa!
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