Sunday, August 30, 2009

CODA

Ainda é dia lá fora? Há janelas aqui mas não consigo ver, o céu parece não ter movimento, nem cromático nem de qualquer outro tipo, as nuvens existem em neblina, nada formam, nada são, vazias de tão cheias. Assim também os rostos que me circundam, entram olhando para baixo, quase autómatos, sem vontade de chegar, sem saber como partir. Acho que chegamos todos à espera que o tempo mude, um raio de sol, uma razão para existir. Nada lá fora se move, e as palavras cá dentro parecem-me sempre iguais, sempre as mesmas por vozes diferentes, em estórias de vida (em si verdadeiras Histórias) sempre tão semelhantes, em gestos envergonhados, em gestos raivosos, em gestos contidos. Como o tempo, contidos, com medo, quase inertes, quase vivos. Acho que vimos todos à procura da nossa multidão, onde nos iludimos que somos um grupo para que afinal fiquemos sózinhos.
Esqueci como chorar, sabias? E tu és afinal já como tantos, como todos, como nenhum. E tu não és. Mais uma vez não és tudo o que poderias ser. Ou eu não sou tudo o que quero. Ou eu tenho medo de voltar ao ser que fui e por isso fujo antes de saber, antes de procurar no céu denso um raio que penetre um manto que sou eu fora do mundo.
Já nem me importa se faço ou não sentido. O mundo não faz qualquer sentido aqui (se em algum lado). Os olhares não se cruzam, as palavras não são mais que estacas que espetamos ou retiramos de nós próprios, o conforto que esperávamos não vem, e no final nem o alívio de saber que há quem sinta o mesmo, que não somos os únicos, nos salva. Em última análise somos todos o mesmo conjunto de decrépitos corpos que se cortam e se desmembram e se morrem em nome de outro alguém, em nome de um despojamento de si próprio, em nome de nadas que inventamos para pintar os tecidos incolores desse firmamento que nunca muda, sufocante permanência de vazio, um precipício que nunca mais vem.

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