Sunday, June 14, 2009

Polaroid

Se hoje me apetecer escrever algo feliz ainda saberei fazê-lo? Acho que nos escorre mais nas veias a tinta do que fere, precisa sair, expelir, explodir em mil direcções e jorrar até esvaziar o pus que dentro cresce e putrefica. O que é feliz vive-se, sente-se, inspira-se, é-se. E escrever é fingir, é pegar no que em nós fervilha e torná-lo outra vida, outra estória, outro mundo.
Se hoje me apetecer ser feliz subo ao telhado, rasgo as meias ao trepar, levo vinho comigo, sento-me a fitar o céu e a cidade que à minha volta frenética se move e eu tão calma... Bebo, canto, olho longamente, danço até e rio. Rio contigo que estás em mim, que és aqui, parte de tudo o que sou. Guardo-te num vestígio polaroid do fim de tarde, e revejo o brilho dos olhos nas cores que nascem de uma mancha cinzenta. Posso contar-te um segredo? Gosto muito de ti. Acho que já o sabias.
Se hoje me apetecer ser feliz lembro-me que ainda há um firmamento que nos cobre, telhados que nos unem, uma polaroid que nos perpétua, e amor não erotizado que é a amizade. Único amor que não se desfaz na intensidade de existir. É de sempre. É para sempre. É com um olhar apenas saber já tudo o que não se diz.

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