homens para colorir
Havia um pedido constante nas minhas cartas ao Pai Natal. Aquele presente que se faz figas para que ele nunca se esqueça, que se apalpa todos os embrulhos a ver se se o encontra. Havia uma prenda que me fazia contar os dias até ao Natal, portar bem durante o ano para o merecer, rezar todas as noites, suspirar a iminência da sua chegada... Livros para colorir.
Toda a minha infância me deliciei a inventar cores mais ou menos fortes para bonecos por outros desenhados, a imaginar uma tonalidade nova para preencher mandalas, cornucópias, minuciosos pormenores de gatos manientos. Procurava a cor ideal, a não antes pensada, a que fizesse juz à beleza do desenho, a que nunca fosse repetida. Horas, dias, anos nisto! Cadernos coloridos que se acumulam na arrecadação da casa dos meus pais. Ás vezes com saudades ainda os espreito, e o bichinho do tingir de novo me assalta.
Acho que a vida é um pouco um prolongamento deste meu deleite infantil. Passamos sete vidas neste incansável acto de coloração, em que nunca queremos que um cinzento seja só cinzento, em que descobrimos que uma nuvem não é branca mas muitas cores misturadas e ao mesmo tempo, em que progredimos lentamente página a página melhor ou pior pintados.
Pessoalmente já devo ter extravasado a minha quota de produção, e acho que escolho sempre livrinhos de loja dos 300, ou 1,5 na moeda actual, que não se coadunam com a minha já treinada arte de preencher o nada. Perco demasiado tempo a tentar colorir homens monocromáticos. E vai daí talvez não o sejam, apenas acabam como qualquer espaço pronto a colorir, não se renovam, não expandem. Eu, pelo contrário, espraio-me constantemente e procuro sempre alargar-me melhor, talvez por isso não os entenda, esses rabiscos inacabados dentro e tão delimitados, quase muralhas, por fora. Mas sempre em qualquer parte de outra colectânea da minha vida ficam, num local especial, como são todos os momentos em mim, empilhados numa estante de maturidade que se deixou. Há já uma nova mais acima a carregar.
Enquanto se deixa a Terra do Nunca, que é mesmo preciso abandonar, cortar o cordão, sofrer se preciso, seguir em frente sem medo, nunca se esquece o que foi. O que foi é porque nos faz. Porque nos torna mais cor e assim nos enche de vida.
Toda a minha infância me deliciei a inventar cores mais ou menos fortes para bonecos por outros desenhados, a imaginar uma tonalidade nova para preencher mandalas, cornucópias, minuciosos pormenores de gatos manientos. Procurava a cor ideal, a não antes pensada, a que fizesse juz à beleza do desenho, a que nunca fosse repetida. Horas, dias, anos nisto! Cadernos coloridos que se acumulam na arrecadação da casa dos meus pais. Ás vezes com saudades ainda os espreito, e o bichinho do tingir de novo me assalta.
Acho que a vida é um pouco um prolongamento deste meu deleite infantil. Passamos sete vidas neste incansável acto de coloração, em que nunca queremos que um cinzento seja só cinzento, em que descobrimos que uma nuvem não é branca mas muitas cores misturadas e ao mesmo tempo, em que progredimos lentamente página a página melhor ou pior pintados.
Pessoalmente já devo ter extravasado a minha quota de produção, e acho que escolho sempre livrinhos de loja dos 300, ou 1,5 na moeda actual, que não se coadunam com a minha já treinada arte de preencher o nada. Perco demasiado tempo a tentar colorir homens monocromáticos. E vai daí talvez não o sejam, apenas acabam como qualquer espaço pronto a colorir, não se renovam, não expandem. Eu, pelo contrário, espraio-me constantemente e procuro sempre alargar-me melhor, talvez por isso não os entenda, esses rabiscos inacabados dentro e tão delimitados, quase muralhas, por fora. Mas sempre em qualquer parte de outra colectânea da minha vida ficam, num local especial, como são todos os momentos em mim, empilhados numa estante de maturidade que se deixou. Há já uma nova mais acima a carregar.
Enquanto se deixa a Terra do Nunca, que é mesmo preciso abandonar, cortar o cordão, sofrer se preciso, seguir em frente sem medo, nunca se esquece o que foi. O que foi é porque nos faz. Porque nos torna mais cor e assim nos enche de vida.
2 Comments:
olá pequena princesa...;)
gostei do texto.
é habitado, flui e conduz... condiz muito consigo... Consigo vê-la debruçada minuciosamente obstinada no preenchimento do nada dentro das muralhas inacabadas do ser... enchendo-se a si e ao mundo da alegria da cor, que também traz a dor e o próprio amor...
Cornucópias, mandalas e homens por colorir, vão-lhe aparecer em todas as estantes da maturidade, esteja descansada...;) pinte, pinte... e/ou escreva... eu fico por aqui a disfrutar...
benvinda, à sua própria casa...;)
beijinho
A cor perfeita não existe porque não a saberíamos reconhecer! E é talvez dessa cor que temos saudades...
Continuemos então a caminhar, lado a lado, em busca do nosso mundo... :)
Plim!
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