Thursday, December 03, 2009

Adeus

Dizem que há duas formas de viver a velhice: um suspiro de saudade feliz, ou um amargo de boca que se carrega nas costas com o peso do mundo. Olha-se mais para trás do que para a frente, porque se espera que seja curto o resto do caminho, e o tempo que deixa saudade é a alegria de uma vida intensa, ou o remorso de tudo o que não se fez, de tudo o que não se devia ter feito, de tudo o que não se foi, sem perceber que não se é.
Acho que vivo hoje uma reforma antecipada da minha própria ontologia. Um misto das duas fases. Um buraco que deixa sorrisos para trás e em que tudo estagnou, que não se quer voltar atrás mas não se sabe emendar o que condicionou a paragem do tempo... Agora, no epicentro de um buraco negro. E por ser infinito, o centro pode ser o todo, pode ser eterno. É como olhar no espelho e nada ver. Nem disforme, nem outro, não ver. Olhar para trás com saudade, sim, e não saber o que fazer com as cinzas desses tempos que não voltam. E não saber o que fazer com a incapacidade de os deixar ser só passado. E não saber o que fazer para que das trevas se saia em brumas mais iluminadas. E por momentos não saber mais porque lutar, porque viver. A vida um círculo perfeito, um afunilar de dias e emoções apáticas gritando. Esvair de forças, fechar o brilho dentro de uma lâmpada dita mágica atirada ao deserto, pequeno génio que talvez se evada de um buraco soturno que hoje parece negro, logo interminável.
Estar perdido e assim procurar o saudosismo dos últimos tempos felizes, onde tudo claro e solarengo, onde leve e pleno, onde feliz. Quando perdidos no limiar de um não retorno, bloquear memórias felizes é imperativo para que se mantenha a sanidade mental. Sem alegrias mas sem martírios por não mais as ter, apático e mecânico, quase seco, um vazio cheio de vida fossilizada, cheio de ânsia e revolta.
Para onde ir? Porque lutar? Porquê fingir que ainda se acredita? Porque o mundo sempre se renova e traz-nos de volta a nós mesmos? Por ser verdade? Se eu quiser sou somente um buraco negro. Um eterno nada num eterno vício. Olhar o abismo e este olhar-nos de volta... Nada poderia ser mais aterrador.

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