Devaneio pós-depressivo
Fascina-me o olhar vazio dos transeuntes. O passo sempre ritmado, quase uma fuga, em direcção ao metro que ainda não abriu (parece até que o homem calvo de óculos escuros pode perder o emprego se voltar a chegar atrasado). Há quem olhe de esguelha para logo desviar o globo ocular (que problemas todos temos e isto ou é tricas de namoricos ou anda metida nas drogas), há os que nem notam (tenho que ir buscar o miúdo às cinco, e tenho que ir ao supermercado, e tenho que dar banho ao puto, e tenho que fazer o jantar, e o que é que tinha para entregar no departamento de relações públicas?), e há sempre pouco tempo para ver, por muito que se olhe. Prefiro olhar as pedras da calçada que agora cintilam, e prostrada fico na praça, sem perguntas, sem interpelações. O céu límpido, a rua com cara lavada, o movimento ainda distante, as pessoas que não se importam. A memória tão cheia, sobretudo sufocante, deste espaço agora despojado de tudo...de gente, de frenesi, de máscaras, de caos... Uma praça fantasma, a sua vida suspensa na claridade ainda amena, a naturalidade e a veracidade de um local a descobrir...porque sem vidas atropeladas por horários, tráfegos e impaciência esta cidade surge-nos mais viva, inerentemente bela, vazia mas repleta de outras adrenalinas: caminhos possiveis, sonhos, renascimento de seres humanos.
Na calçada o sol que fito, ao meu redor o chilrear dos pássaros, os pombos esvoaçando sobre mim, a mansidão da espera que me faz pensar e por momentos acreditar: num mundo melhor, num futuro melhor, num dia mais provável, em sonhos já possíveis.
Se me ergo e vejo a minha sombra tenho medo, mas o acinzentado claro do dia anestesia-me. As cores pairam esperando que as saturem, tal como eu espero que me acordem da minha letargia. O metro quase indigente com ruídos permanentes e aparência de submundo, onde as luzes psicadélicas, ferozes de tão brancas, sem variações, sem respeito, sem humanidade, invadem meus olhos de rajada, dilatando as pálpebras já inchadas do choro ( a esta hora permitido, sem perguntas, sem disfarces, sem convenções sociais). É bom sentir que ninguém vê, ninguém questiona, que posso ser mais livre num espaço que me aconchega pelo tempo parecer em si inerte, permanentemente vivo em acalmia, tolerante e iniciático.
No metro em que me durmo os olhos cerram-se sobre o metal. Como sempre concentro-me na pega (não sei que nome lhe dar e este parece-me servir) que se assemelha a uma corda de forca e recrio a imagem dos enforcados suspensos, balançando ao ritmo da carruagem de circular interminável. Sinto que os muitos que o sol trará já assim estão há muitos anos...e hoje vejo-me a observar o meu próprio corpo dependurado. Há um alívio na imagem dessa morte inexistente que quero perpetuar. E a esta hora até isso me parece possível.
De volta à rua, o firmamento...e no campo que é pequeno sinto-me amedrontada, engolida pelas feras das causas que abomino por me estrangularem ideais. Uma felicidade violenta apodera-se de mim ao arrancar o cartaz do PNR, e nesse momento agradeço por ser tão pacifista.
Sigo sempre em frente, sem destino, sem parar. Se quebrar o ritmo do andamento vou cair...e só com o sol alto me saberei levantar. Num corpo mascarado de sorrisos.
Passado o vermelho tão verde dos semáforos há a nitidez do espelhar das janelas do hotel. Páro à sua frente e olho o outro que sou eu, convicta, como nunca fiz e sem temer que me apanhem. De olhos borrados, de cabelo selvagem, de lábios cerrados, de aparência desarrumada, acho-me bonita. Dentro de mim um sorriso: vejo-me e penso-me, sozinha na aurora intermitente...quase me poderia declarar feliz. Reparo que o sol desponta sobre as casas e lembro a utopia das vidraças luzentes na colina que entra rio adentro...ainda as sei possíveis porque luzem desde então dentro de mim.
Regresso-me quase cansada, esquecendo as palavras que perfeitamente se alinhavam na minha mente e não consegui reter. Os meus melhores versos ficaram sempre nos versos impulsivos que o insight me trouxe e a memória proibiu à caneta. Que importa? A vida é novamente possível aqui onde se espera que amanheça a cidade adormecida, onde morrer não parece algo terrível, onde podemos ser sem amarras nós próprios ou o outro que nos sonhámos.
Em mim fica a mansidão da vida que me adormece e me preenche, enquanto o mundo se espreguiça à minha volta.
Na calçada o sol que fito, ao meu redor o chilrear dos pássaros, os pombos esvoaçando sobre mim, a mansidão da espera que me faz pensar e por momentos acreditar: num mundo melhor, num futuro melhor, num dia mais provável, em sonhos já possíveis.
Se me ergo e vejo a minha sombra tenho medo, mas o acinzentado claro do dia anestesia-me. As cores pairam esperando que as saturem, tal como eu espero que me acordem da minha letargia. O metro quase indigente com ruídos permanentes e aparência de submundo, onde as luzes psicadélicas, ferozes de tão brancas, sem variações, sem respeito, sem humanidade, invadem meus olhos de rajada, dilatando as pálpebras já inchadas do choro ( a esta hora permitido, sem perguntas, sem disfarces, sem convenções sociais). É bom sentir que ninguém vê, ninguém questiona, que posso ser mais livre num espaço que me aconchega pelo tempo parecer em si inerte, permanentemente vivo em acalmia, tolerante e iniciático.
No metro em que me durmo os olhos cerram-se sobre o metal. Como sempre concentro-me na pega (não sei que nome lhe dar e este parece-me servir) que se assemelha a uma corda de forca e recrio a imagem dos enforcados suspensos, balançando ao ritmo da carruagem de circular interminável. Sinto que os muitos que o sol trará já assim estão há muitos anos...e hoje vejo-me a observar o meu próprio corpo dependurado. Há um alívio na imagem dessa morte inexistente que quero perpetuar. E a esta hora até isso me parece possível.
De volta à rua, o firmamento...e no campo que é pequeno sinto-me amedrontada, engolida pelas feras das causas que abomino por me estrangularem ideais. Uma felicidade violenta apodera-se de mim ao arrancar o cartaz do PNR, e nesse momento agradeço por ser tão pacifista.
Sigo sempre em frente, sem destino, sem parar. Se quebrar o ritmo do andamento vou cair...e só com o sol alto me saberei levantar. Num corpo mascarado de sorrisos.
Passado o vermelho tão verde dos semáforos há a nitidez do espelhar das janelas do hotel. Páro à sua frente e olho o outro que sou eu, convicta, como nunca fiz e sem temer que me apanhem. De olhos borrados, de cabelo selvagem, de lábios cerrados, de aparência desarrumada, acho-me bonita. Dentro de mim um sorriso: vejo-me e penso-me, sozinha na aurora intermitente...quase me poderia declarar feliz. Reparo que o sol desponta sobre as casas e lembro a utopia das vidraças luzentes na colina que entra rio adentro...ainda as sei possíveis porque luzem desde então dentro de mim.
Regresso-me quase cansada, esquecendo as palavras que perfeitamente se alinhavam na minha mente e não consegui reter. Os meus melhores versos ficaram sempre nos versos impulsivos que o insight me trouxe e a memória proibiu à caneta. Que importa? A vida é novamente possível aqui onde se espera que amanheça a cidade adormecida, onde morrer não parece algo terrível, onde podemos ser sem amarras nós próprios ou o outro que nos sonhámos.
Em mim fica a mansidão da vida que me adormece e me preenche, enquanto o mundo se espreguiça à minha volta.
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