Wednesday, August 22, 2007

IN LOKO para Miguel

Intenso, profundo, sedento, apressado: o nosso último beijo. Na rodoviária. Sol poente. Lágrimas. Mãos dadas. Sorriso no olhar. Sorriso triste. Entraste na camioneta. Segui em frente. Fiquei contigo no mesmo lugar. Sorriso. Mãos dadas. Lágrima que te enxugo com o dedo trémulo. Beijo sincero e carpido. Olhar-te.
Na memória é tudo já tão disperso, diluído. Cada momento mais vívido, mais lembrado, mas também mais onírico, porque ideal. O tempo flúi em mim na música que me invade…
A parede tingida, como que um quadro, a chaminé tão dourada sobre o branco da cal e a lua despontando no cimo, os holofotes são púrpura, talvez magenta, e o teu sorriso por entre o pêlo do gato que afagas. Os espasmos epilépticos do guitarrista, língua no canto da boca, calças de cortinado, botão que puxa para baixo o som que me vem de cima, e a palheta ainda na boca do Sebastian, o cá e o lá da percussão, bafo a licor ao lado, o entoar do ressonar a cada abrandamento do ritmo, riso, criança dorme a meus pés iluminada pelo breve raio de luz, sombras chinesas dos dedos do Sasseti na parede branca, o cabelinho “à foda-se” do Sasseti, o tic, o toc, pés batendo o chão ao som do jazz que flutua, tic tic tac, cigarro no dedo, sopro, dá-me lume, olhar cruzado, toc, a criança dorme, Vera para menina…e se for menino?, o contorcer ritmado do guitarrista, o ressonar a cada pausa, os pequenos pormenores estúpidos que não interessam porque é tudo tão magnânimo, as faces dos espectadores, maravilhadas ou entediadas, nunca mais, nunca menos. Palmas. Toque na perna, envolver o joelho com as duas mãos, vontade de delinear a perna e subir subir até me tocar, lembrança da tua língua lambendo teu próprio lábio e do teu olhar nesse momento, orgásmico, como a música, penso orgasmo, Miguel, singular não, múltiplos, Miguel, hesitação, promiscuidade em pensamentos, que importa!, Miguel, o xarope é Moscatel, Miguel, o dedilhar do contrabaixo, Miguel, a teleobjectiva foca a banda, Miguel, ninguém me vê posso fazê-lo, Miguel, aperto as jardineiras de pano em retalhos, Miguel, sinto a minha perna, Miguel, lembrança de Babe, you turn me on, Miguel, fazer amor contigo, Miguel, dançar contigo, Miguel, ver os peixes na Gulbenkian, Miguel, tomar o pequeno-almoço contigo, na cama, Miguel, acordar em teus braços, Miguel, noites em tua casa, charros, o cigarro aceso da miúda ao lado, Miguel, Deleuze e Anti-fa Hooligans, Miguel, o tic, o tac, o toc, o teu toque…Miguel.
O céu estrelado sobre mim, tenho que afastar meus profanos pensamentos, tenho que afastar a tua imagem que me enternece mas atormenta, Miguel…
Intenso…Jazz no Catacumbas; jazz dos In Loko em Tavira… Paragem de autocarro no Rato; rodoviária de Tavira… Aurora no Adamastor, abraçados, junto ao Tejo; poente em Tavira, abraçados, junto ao Gilão… O fim e o início cruzados, intensos, profundos, eternos, fugazes…como se nós tivéssemos sido 24 horas…Olhar-te é, será sempre, como escutar as teclas de Sasseti, o ruído do mar contra as rochas, um tango…intenso, especial, enchendo-me a alma de paz e felicidade…. “Everything is collapsing, dear…And babe you turn me on”…

1 Comments:

Blogger Unknown said...

deixoume com pele de galinha este teu poema..puro..belo..tao sentido..que somos nos sem memorias e happy thoughts?!pena nao ter sido uma historia com final feliz..quem sabe minha linda kem sabe?ate la continua a escrever como tao bem sabes..je t'aime moun amour

7:58 AM  

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