Monday, April 21, 2008

Uma qualquer espécie de fim

Acordei. Parece que sim. Os olhos conscientes esfregaram-se entre meus dedos, e é suposto isso significar que acordei. Ainda uma pedra entalada na garganta, pedregulho espalhando-se pelo peito inteiro, e dissolvida no ar à minha volta, pois só assim encontro motivos para que a atmosfera me pareça acinzentada. Isso ou a poluição, mas dado que só hoje dei por isso deve ser mesmo a pedra que em mim cresceu a dar ares de importante. Que não é. Não pode ser.

Acordei. Não sei que horas são. Não me parece que queira saber. Seja que horas forem vou continuar deitada. De novo a manta ao meu lado que abraço. Nunca é bom sinal quando ela lá está. Colorida como é para preencher um qualquer vazio em mim... Esse onde hoje parasita uma pedra, angular e espinhosa, cravando-se nos orgãos que a rodeiam, rindo-se de mim.

Acordei, mas parece que ainda estou a dormir. Ou a alucinar. É a mesma coisa. O ponteiro avança, o sol da janela que deixo sempre aberta já consegue tocar os meus olhos, quase o vejo em pontas de pés, gargalhando feliz como a criança que se orgulha da pequena maldade. E conseguiu. Não queria vê-lo hoje, não queria constatar que não sinto o seu calor, não queria lembrar outros dias de sol...

O telefone toca, não atendo. Parece distante esse som, uma outra realidade qualquer. A ânsia de ver se um milagre me fará ler o nome que grito por dentro naquele visor... Vã esperança, bem sei, pelo que não me levanto para não chorar. A letargia parece resultar, concentrar o pensamento na água que ontem corria na fonte. Não sei se hoje corre, mas aposto que sim. O mundo não pára por causa de ti. Ontem contudo sei que era quem melhor me compreendia, essa água escorrendo pela pedra que afinal se alojou cá dentro. Sei que é a mesma pedra...nessa água mergulhei para me afundar.

O despertador já tocou umas quinze vezes. Ainda não me apeteceu desligá-lo. A manta enroscada em mim e a lembrança do teu corpo continuando o meu... Guardei tudo num baú, numa pasta de ficheiros no PC, mas há sempre um qualquer cheiro que me invade, há sempre uma luz mais suave a bater contra o cortinado, há sempre um sorriso nuns lábios quaisquer que me parecem os teus, há sempre um riso que ecoa em minha mente, há sempre um vislumbre teu no sofá vermelho, há sempre a tua voz sussurrada... Parece que não sai de mim esse ente entranhado que te é, parece que me habitas e juntas novas pedrinhas ao meu peito já inchado em lágrimas que não quer verter.

A mesma música que ouço repetidamente e é tua, e tem-te em cada nota, e te faz voar ao meu redor... Imaginar-te indiferente, só para me magoar, imaginar-te malévolo, só para me desculpar, enraivecer-me como se o ódio me salvasse, como se sequer ele pudesse existir, procurar respostas para o que a razão não sabe explicar, acreditando nelas encontrar uma falha minha que tudo explique, que eu possa resolver e te traga de volta... E não trará, nada traz. De novo a mesma dor já tão conhecida, que é rígido massisso rochoso correndo em mim por vez de sangue, que é memórias que tento recalcar mas me polvilham, que é felicidade que nunca por muito tempo me é permitida sentir... Julgar-te ainda a única pessoa que comigo se coaduna e saber que não pode ser assim, tentar acreditar que acabou...Tal como previ já não há sorrisos enamorados, olhares encantados com tudo o que me sou... Agora só a benévola ausência de mágoa e o esperar "um dia virmos a ser grandes amigos"... Que arde cá dentro, ferida que não sei sarar...

Acordei? Dizem que sim. Acordei do sonho de ser especial para ti, de viver um mundo que livre voava em amor nas asas de uma ave migrante, vagueando na certeza de ser diferente, única, independente asa de almas que se tocam na inexplicável profundidade que as une e as permite em caminhos separados se cruzar...

Acordei, sim, tenho a certeza. Já não há chaminés de que sem justificação se gosta, já não há patos que contra nossos pés bicam, já não há um imenso sol inundando-nos numa magia que os olhos do mundo não viam, só os nossos...

Acordei. Uma qualquer espécie de pesar germina em mim, e não é mágoa, não é raiva, não é rancor. É amor que já sozinho livre voa na asa de uma ave primaveril, pelos ares de um mundo verde que meus olhos não mais conseguem ver...

1 Comments:

Blogger sombra e luz said...

vim deixar-te um beijinho...
dizer-te que é uma alegria ver-te escrever...;) ando atarefada, às voltas com a minha vida... perco-me das palavras e do sentido que gostaria de lhes dar... às vezes acontece-me isto... ficar muda!... mas sei que passa...
continua...
não desistas, continua... fico a torcer por ti...;)

2:23 AM  

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