Carta ao eu que fui ou ode à solidão
Foi necessário volver trinta anos para que te percebesse. Foram necessários trinta anos para voltar àquela tarde de Verão em que escolhi não te mudar. Foi necessário perder toda uma vida para ganhar coragem para te mandar embora. Hoje, talvez já tarde demais.
Naquela altura tinhas descoberto o amor, era tudo tão maravilhosamente intenso que te assustava. Os dias passavam suaves, sopros de alegria bafejavam-te, e um mundo que não o teu desabrochava perante ti na vontade de te conhecer. Tudo parecia correr bem nessa partilha inesgotável, e o teu mundo permanecia igual mas com um brilho maior. Subitamente, o teu corpo começou a rejeitar o que a ti se dava em carinho como se de um vírus se tratasse, como se um órgão novo tivesse sido transplantado para o teu organismo avesso a mudanças. Parecia-te demasiado, ainda que gostasses. Invadiam-te os pensamentos mais bizarros, uma exigência quase perfeccionista, era bom demais o que recebias e parte de ti não queria dar de volta. Pensaste que era um vício, um demónio dentro de ti que te impelia a afastar tudo o que fosse bom e novo. Pensaste que não sabias lutar e que a fuga a todos beneficiaria. Pensaste que apesar de tudo serias mais feliz sozinho.
Naquela altura, meu caro eu passado, tu eras imaturo. Naquela altura tu tinhas medo de viver. Naquela altura tu eras fraco.
Hoje escrevo-te do fundo da minha enorme sala de estar. Quartos e quartos repetem-se vazios pelo corredor. As paredes estão forradas de estantes atoladas em livros, a música preenche o vazio a toda a volta. Hoje escrevo-te no lusco fusco deste dia que se cansa de viver, após a excruciante adrenalina laboral quotidiana, no centro da cefaleia que nem com uma boa noite de sono passará. Hoje escrevo-te do futuro para te dizer que foste burro. Escolheste o fácil caminho da solidão e egoisticamente tentaste acreditar que seria a decisão mais benévola para todos, como se omnisciente e altruísta fosses. Fingiste para ti mesmo que querias resolver os teus problemas internos, que o problema estava em ti, que precisavas de tempo. Mas de que servem as respostas que com palavras se dão quando a realidade da nossa vida não as reflecte?
Tempo é o que hoje tens em demasia e te devora anos de vida. Construíste um futuro brilhante, concentraste em ti vastíssimo conhecimento bibliográfico, olhaste-te de todos os ângulos, mas de que te serve tanta matéria em bruto se não tens com quem a partilhar e assim aprofundar? Na verdade, tudo se aguenta, até mesmo a solidão, enquanto a nossa vida parece ter algum sentido. Assim, viveste todos estes anos em paz, com pena da pessoa perdida, mas confiante de que tomaras a decisão certa para ti e de que nunca te arrependerias. Assim te construíste um orgulhoso solitário, por vezes até um eremita. E no entanto eis que hoje te cruzas contigo mesmo e te encontras descrente e atormentado, sentado no fundo da tua sala vazia onde ecoam os risos estridentes e os olhares enamorados de outrora... Esse local onde a face dela é o cenário dos teus sonhos escondidos.
Naquela altura tinhas descoberto o amor, era tudo tão maravilhosamente intenso que te assustava. Os dias passavam suaves, sopros de alegria bafejavam-te, e um mundo que não o teu desabrochava perante ti na vontade de te conhecer. Tudo parecia correr bem nessa partilha inesgotável, e o teu mundo permanecia igual mas com um brilho maior. Subitamente, o teu corpo começou a rejeitar o que a ti se dava em carinho como se de um vírus se tratasse, como se um órgão novo tivesse sido transplantado para o teu organismo avesso a mudanças. Parecia-te demasiado, ainda que gostasses. Invadiam-te os pensamentos mais bizarros, uma exigência quase perfeccionista, era bom demais o que recebias e parte de ti não queria dar de volta. Pensaste que era um vício, um demónio dentro de ti que te impelia a afastar tudo o que fosse bom e novo. Pensaste que não sabias lutar e que a fuga a todos beneficiaria. Pensaste que apesar de tudo serias mais feliz sozinho.
Naquela altura, meu caro eu passado, tu eras imaturo. Naquela altura tu tinhas medo de viver. Naquela altura tu eras fraco.
Hoje escrevo-te do fundo da minha enorme sala de estar. Quartos e quartos repetem-se vazios pelo corredor. As paredes estão forradas de estantes atoladas em livros, a música preenche o vazio a toda a volta. Hoje escrevo-te no lusco fusco deste dia que se cansa de viver, após a excruciante adrenalina laboral quotidiana, no centro da cefaleia que nem com uma boa noite de sono passará. Hoje escrevo-te do futuro para te dizer que foste burro. Escolheste o fácil caminho da solidão e egoisticamente tentaste acreditar que seria a decisão mais benévola para todos, como se omnisciente e altruísta fosses. Fingiste para ti mesmo que querias resolver os teus problemas internos, que o problema estava em ti, que precisavas de tempo. Mas de que servem as respostas que com palavras se dão quando a realidade da nossa vida não as reflecte?
Tempo é o que hoje tens em demasia e te devora anos de vida. Construíste um futuro brilhante, concentraste em ti vastíssimo conhecimento bibliográfico, olhaste-te de todos os ângulos, mas de que te serve tanta matéria em bruto se não tens com quem a partilhar e assim aprofundar? Na verdade, tudo se aguenta, até mesmo a solidão, enquanto a nossa vida parece ter algum sentido. Assim, viveste todos estes anos em paz, com pena da pessoa perdida, mas confiante de que tomaras a decisão certa para ti e de que nunca te arrependerias. Assim te construíste um orgulhoso solitário, por vezes até um eremita. E no entanto eis que hoje te cruzas contigo mesmo e te encontras descrente e atormentado, sentado no fundo da tua sala vazia onde ecoam os risos estridentes e os olhares enamorados de outrora... Esse local onde a face dela é o cenário dos teus sonhos escondidos.
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