Saturday, March 17, 2007

O que é perto e está tão longe [Co-dependência]

Sete da manhã. Lisboa. Avenida Almirante Reis. Numa praça da qual não lembro o nome. Ela. Olhava os dedos de unhas delapidadas. O verniz fugira dos cantos ruídos. Parecia que naquelas mãos se concentrava todo o sentido da sua existência, fitando-as intensamente, como quem prende o que vê com o olhar.
O sol brilhava novamente no céu indiciando a Primavera (que chega já tão mais depressa por entre as camadas corrompidas desse Ozono)...Os bancos de jardim povoados de aves migrantes e ervas daninhas crescendo por entre a calçada.
Ela, contudo, não o via, absorta na descoloração das suas unhas outrora vermelhas. Ela que fora alegre, lutadora, defensora de todos. Ela que fora feliz e infeliz, mas sempre viva. As tardes no campo, petiscando junto ao Tejo; a adrenalina dos contratempos da filmagem; o concerto no festival e os risos entre cigarros e gritos; o entusiasmo da pesquisa e do debate; a defesa acérrima dos oprimidos de perto e de longe; o sorriso no rosto ofertado a todos, só porque já é manhã, só porque todos vivemos; o concerto da Orquestra Metropolitana na Igreja da Graça e as mãos entrelaçando-se emocionadas...
Já de nada se lembra, ofuscada pela sombra da vermelhidão que lhe fugiu...As unhas roeu-as ao perseguir sem ser vista, ao quebrar limites e barreiras de privacidade e de decência, ao procurar o inencontrável porque por vontade sozinho partiu...As unhas, desgastadas, estragadas, entristecidas, são a consciência que lhe pesa na emoção que não consegue controlar.