Tuesday, July 28, 2009

Os pénis atrofiados

"Acho bem que a mulher tenha alcançado igualdade em relação ao homem mas não pode fazer o mesmo que critica nele, não pode perder a sua dignidade". Assim dito até parece bonito, quase parece igualitário. Dito assim parece um homem moderno, século XXI, daqueles que percebe que a homossexualidade não é uma doença, daqueles que não discriminam em função de raça, etnia, nacionalidade. Daqueles que estão em paz com a sua consciência.
Assim exposta a questão quase pensamos que Portugal está menos machista, que a nova geração marca a diferença, que há esperança. Podemos todos ir a um bar e ter igual direito a sentir desejo, e levar para casa, sexo faz-se a dois e portanto ambos são iguais. Podemos ter amigos que gostam de one night stands e nós não e sairmos todos juntos e não sermos todos metidos no mesmo saco. Podemos foder alguém só porque nos apetece e lhe apetece e isso não nos rotular, o homem o herói da testosterona e a mulher a porca puta de esquina. Nada disto é hoje Portugal, Europa, Mundo, não é?
Mas dá-se por garantido que está no papo, e comenta-se a maior ou menor intensidade com que se abre as pernas, e relembra-se e acrescentam-se momentos de loucura em praça pública, e "que foda!" e "que grande putéfia" e "fi-la gritar" e são as duas iguais por isso "só não sei onde vou dormir esta noite..." esperando que com ela. E elas sou eu, és tu, todas as mulheres reais e por nascer. Anos de luta e revolta não serviram para uma revolução sexual. Há hoje mulheres grandes profissionais, mulheres em cargos dirigentes, mulheres políticas, mulheres independentes, mas há ainda mulheres despedidas por gravidez, mulheres que são putas se se vestem mais ousadamente, que "querem é chamar a atenção", que "estão a pedi-las", mulheres que são carne de supermercado ou rameiras porque "perdem a dignidade", essa que parece que o homem nunca teve. A mulher se quer ser igual ao homem deve ser melhor que ele e não ter a mesma oportunidade, antes superar numa ética de divindade castrada. De facto, deve ser esse o sonho de qualquer mulher, dessas extremistas que queimavam soutiens. Não há opressão que se vença sem um pouco do que chamam "extremismo". Revolução define-se por ruptura e qualquer cisão é um extremo. Então que me chamem extremista, que me chamem fanática se não sabem a distinção. Não quero é ouvir mais barbaridades de mulheres que "não podem perder a dignidade", que é por pouco mais que há outras partes do globo (essas sim fanáticas) em que a mulher é chicoteada, apedrejada, enforcada porque, imagine-se, tem hormonas e desejo sexual.
E neste país de touros e de vinho e de testes de virilidade, afinal o que um Filipe disse podia ter sido dito por um Diogo, ou um João, ou um Miguel, ou todos os nomes de homem que se imagine. E, cereja no topo do bolo, chega depois uma Patrícia e declara altivamente que "a turca (não tem nome?! ah, é verdade, por esses lados é tudo Mustafa e as mulheres nem se sabe porque não têm voz nesses países atrasados em que se usa burca, não é?) é uma puta". E eis que o machismo também floresce nos pénis atrofiados das mulheres.

Sunday, July 26, 2009

pensamentos de uma amante chamada Inês

Acho que nunca soube muito bem ao que vinha. Acho que não encontro retorno. Acho que me habituei. Acho que não sei ser outra coisa. Acho que isto talvez seja o que sou. E o que somos todos afinal? O que fazemos? O que sentimos? Qualquer das duas me torna nada, ou demasiado suja para ser. Só isso me define? Podemos um dia ser o que queremos? O dia em que ninguém mais nos cala. O dia em que mais ninguém nos atira para a terceira idade dos 23 anos, a dor do peso de se ser velho cedo de mais. O dia em que mais ninguém além de nós para que sintamos que somos.
E se hoje te dissesse tudo isto? E se hoje te dissesse "não voltes" quando entrares, careca que cedo será decrépito. E que gosta de mim porque gosta de me mostrar, pedaço de carne que te rejuvenesce com o lapso das gerações que nos separam. Feiras de vaidades e medos de envelhecer. Prometo não te dizer que se calhar nem tens assim tanta importância, que não foste tu que me ensinaste a vestir, a pôr maquilhagem, a ser inteligente, a ser bonita, a foder. Prometo fingir que cresci por causa de ti. Sabias que sei que sou eu como podia ser outra qualquer, que me chamo Inês mas uma Marta, uma Irene, uma Luísa seriam exactamente o mesmo prolongamento do teu esperma?
Mas quando entras sorrio, e se te peço ajuda e me respondes com uma sugestão de broche eu encho a boca e esvazio a alma. Dão nome a isto quando se recebe dinheiro no fim, sabias? E eu nem dinheiro, nem carinho, nem amor. Amor... Amas-me e deixas que me envolva com outros porque "é a minha natureza". A tua provavelmente é não sentir. E mandar. E achar estranho eu não saber. E ser tão magnânimo ensinador. Um dia trocas-me por uma virgem e acho que me vais chamar de putinha quando me lembrares com os teus amigos numa noite de copos. Será que não o fazes já? Gastei toda a minha juventude com a ilusão de te ser. Hoje acho que saio por essa porta assim que entres e nunca mais volto. Juro que só vou dizer adeus, nada mais. Quando chegares eu talvez não esteja aqui. Quando chegares, eu juro, hoje é a última vez.

Monday, July 20, 2009

múltiplos

Não me parece mais que venhas. Portas batidas a mais atrás de mim. Portas que já não se abrem. E não são as fechaduras enferrujadas, não são as chaves perdidas, não são os trincos, são os olhos que não mais vêem que de portas abertas se fala. Escancaradas. Luz ao fundo, talvez, mas tanta sombra à nossa volta. E tu és tanta gente ao mesmo tempo. E tanta gente forma tudo o que não és. Vejo-te quando olho ao espelho mas sei que não te conheço. Às vezes ainda te lembro, mas não sei se te quero lá. Se partir o vidro num murro é a ti que desfaço ou a mim mesma? Pedaços de carne ou de nada saltando dispersos num grito e tanto sangue à volta... Resta alguma coisa de nós? Ainda somos? No espelho não há fusão, há distância. Tu e eu não somos um só. Nunca seremos um só.