Friday, June 20, 2008

O adeus à terra

"Que estranha forma de vida"...

A carrinha verde à minha frente geme o som que estremece a Avenida. Grandes lojas, armazéns, chorudas bolsas de turistas, pedintes e homens-estátua chamando a sua atenção, o cão,"desculpe lá menina", que ladra na ânsia de abocanhar a minha perna. O som que me invade, cristalina voz baça dessas palavras que me choram, a mim como a todos, povo saudoso, inventor dessa dor que nos define, sebastianistas de tanto esperarmos procristinadoramente. E é desta estranha forma de vida que sentirei saudades.



Lisboa. Cidade de contrastes, da plana geometria pombalina ao tortuoso medieval das colinas, bandeiras que se pregam em honra ao futebol, que a Nação já se esqueceu, mas nos corações arde em forma de Cristiano Ronaldo. O sol... Ó estrela nossa que se abraça, em faluas que já cá não estão mas ainda se sentem, em pão fresquinho todas as manhãs, com muita farinha, em chouricinhos assados, em queijinhos e vinhinhos na Casa do Alentejo, e sempre tudo diminuído porque carinhoso, nesses inhos que caracterizam o lisboeta. Lê-se o jornal, cada vez menos, diz-se bom dia, cada vez menos, tem-se medo, cada vez mais, ajuda-se quem está perdido, como sempre. O latoso poliglota do espanholês, do franciú, do enviozado c'mon. O português do palitinho, o português da taberna, do restaurante ou da dégustation. O português da Madragoa, de Alfama, do Bairro Alto. O português dos transportes públicos, cansado do Cais do Sodré. O português das cartadas no jardim, das velhotas de aromas florais, sempre um pouco exagerados, dos tremoços e caracóis, do fadinho de improviso. O português que vem de Beja, vem de Fare, vem de lá de xima, que vem das África. O português que é avec, que tem a mania, que é p'ró desenrasca, que não gosta do Sócrates, que se esquece da crise dos combustíveis para festejar o golo do Moutinho (se não foi ele foi outro que tal), o povo que chora a Madeleine McCain, o povo que se mobiliza para salvar Timor e a família pobre de Carrazeda de Anciães.

É do povo, e da cultura, e do afago, do sorriso melancólico, do solarengo das praças, do canto da Rua Augusta em que se vislumbra o Tejo e assim bem fica-se... É das tertúlias, das lutas por despertar a amorfa massa que vê disparar a desigualdade, da vontade de tudo tornar algo, das guitarradas, dos arraiais, das varandas de estendedais, das papoilas e das mimosas, dos queijos da Serra e dos corajosos pombos lisboetas, dos revoltados visionários e até dos velhos do Restelo que mais saudades vou ter...

Agora que de Lisboa, de Portugal me despeço, para uma flamenga odisseia, encerrando este blogue com esse beijo saudoso de quem parte, querendo sempre voltar ao local de onde verdadeiramente nunca sairá...

Estranha esta forma de sentir que é ser português.