Sunday, September 13, 2009

persona

Juraria que os mesmos olhos, o mesmo azul esverdeado em que descobri pontos cinzentos no centro, perto da pupila. Os mesmos olhos, quer se acredite quer não, com a mesma tendência para focar o pormenor que passa ao lado aos demais, sempre tão minucioso na sua observação do real. Do fisicamente real.
Olhei os mesmos olhos, tão dentro como outrora, tentado entrar tão fundo, procurando insaciavelmente ver. Lembrei uma lágrima de emoção mal escondida, lembrei uma confissão, lembrei beijar-me a alma com um olhar, lembrei procurares ser-me mais. Olhei os mesmos olhos para deles te puxar, e neles só estáticas sombras, não mais sorridentes brilhos, não mais emoções palpitantes.
Tentei as mãos mas os impulsos suculentos já lá não estavam, oscilam agora entre o tédio e a hiperactividade, um calado "despacha-te! raios partam a gaja!", ou na melhor das hipóteses "que horas são?", contentando-se em remexer um jornal ou pegar em mais um cigarro.
Os lábios - antes tocados, lambidos, beijados, roçados, mordidos - movem-se descoordenadamente, emitem sons que já não reconheço, parecem vazios, quase perdem a vermelhidão, quase já nem os escuto, nada ecoa em mim.
Olho-te agora e é já nada o que sinto, o nada...que é pesado e sombrio, que é abafado e torpe. E em ti vejo já outros rostos antigos, outros antes de ti, outros que foram amores para a vida, paixões arrebatadoras, vidas construídas ou meros encontros casuais. Estranha a minha forma de viver, todos os que me cruzam me marcam e me fazem de alguma forma falta. Em ti também caras de amigos que afinal não quiseram mais sê-lo, faces de quem foi uma vida inteira, antes de qualquer homem vinha ela, porque melhor amiga e isso, sem dúvida, para sempre, porque tantas peripécias de ombros chorados e escudos protectores. No fim para todos o mesmo vazio, a mesma incerteza, a mesma dor. Lembrá-los sempre presentes esquecendo o mal (por vezes tanto...), lembrando o bom mas sem conseguir afastar a mágoa. Olhar-te e não entender não porque partiste, mas porque insistes em fingir que não foi assim tão importante, que não queres saber, que afinal dois estranhos e não te conheço, e não me vês mais pelo que sou, que já não sou, que não marquei, não fui. Será arrogância ou insegurança querer ser eternamente recordada nos corações de quem por minha vida passa? Talvez ambas. Talvez nenhuma. Se eu lembro tudo mesmo o que é já longínquo, porque é que os outros não hão-de lembrar? Lembrar que houve tempos em que se ria em uníssono...E juro que quase voavamos.
Não é o tempo não voltar para trás que me atormenta, é o seu rastro não ficar cravado nas almas alheias das fisionomias que me tocam. Tocam e fogem, sempre. Tocaram-me e foram-me... Será que eu fui? Talvez um dia relembrem, quando ao olhar para um rosto estranhem nada do que o definia lá estar.

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Monday, September 07, 2009

Impressões de uma fuga adiada

Nevoeiro. Praia de Espinho ao lado. Comboio. O areal salpicado de arbustos e não ervas daninhas onde a fertilidade se esvai. Praia. Nevoeiro e maresia. Posso correr? Ali parece respirar-se melhor. Posso nadar? Ali parece que se sente menos. Posso ficar?
Ainda carris e carris a perder de vista, esta força que me puxa segue frenética e não sei mais de onde vem. E de onde venho? Para onde vou? Lá fora tudo tão inerte, uma espécie de selvática natureza virgem, uma espécie de nova cidade a descobrir, um novo mundo.
Pergunto-me se poderei talvez hoje ficar. Parar. Ás vezes penso como seria parar o tempo... Congelar um início de acção, o papel que cai fica suspenso, a boca escaqueirada da senhora ao lado, o acidente quase a ocorrer, e eu movendo-me entre a alheia imobilidade tão frágil. Nos filmes esta imagem tem sempre uma certa névoa associada que não entendo, mas parece-me bem o dramatismo. Aqui a neblina é natural,nem preciso de artifícios sofisticados para alargar a imaginação. A imaginação respira maresia, emerge dela, é o tempo parado da praia estática.
A rota traçada quase me leva daqui, e cravo os dedos à imagem da praia de onde não quero sair, cravo os dedos ao tempo nulo que quero que fique, cravo os dedos cerrando os olhos, no meu sonho posso estar onde quiser, no meu sonho posso ser o que quiser, no meu sonho não tenho mais por que fugir.