O melodrama infantil das cartas esquecidas
A última carta de amor. Desta vez não há volta. A última. Rasgada diversas vezes para que fosse perfeita. Saída de impulso mas relida, e relida, e relida, e por isso alterada, e rabiscada com mais ou menos raiva, mais ou menos saudade, mais ou menos ternura, mais ou menos amor. Rabiscada e riscada e chorada. Um alívio. Uma pedra de novo atirada, presa, bem no centro da boca que não abre. Queres sair? Quero que saias? Será que ficas? Será que volta?
Escrevi a última carta de amor. A derradeira palavra, o gesto final, um último grito, suspiro, apelo, sussurro, se quiseres sussurro apenas, sopro ao teu ouvido como tanto gostavas, sopro as palavras que não sabes dizer mas que gostas tanto de ouvir.
Carta. Palavras cravadas em mim que o vento te leva, que nunca retens, que nada te fica, passageiro, entra forte e sai depressa, como o amor, que te enche de alegria e esfaqueias na ânsia da juventude desregrada, no mercado de mulheres que achas que tens à porta, que te oferecem de mão beijada, fica com a minha filha, fica, é moça casadoira, fica com a minha filha que, verás, o juízo não te amola e tem orgulho em que vás à caça, fica com a minha filha que vive a vidinha simples dos seus 22 anos, que é bonitinha e sossegadinha e a família de bom nome. Um dia ficas, sabes disso? Um dia vais mesmo ficar, e a cidade toda em festa, e tu levado em braços, grande herói das caçadas, o profissional de sucesso, o homem viril, o mais bonito, o mais charmoso, o mais simpático, o presidente da Junta, o rei da aldeia. Podias ser tão melhor, sabias? Se fosses tudo o que em ti pode ser serias quase perfeito. Se olhasses mais à volta e menos para o centro de ti.
A última carta, juro, e não te torturo a cabeça em voltas indescritíveis, não falo em metáfora, não complico. Tudo simples, como gostas, tudo evidente, tudo racional. Em mim fica o inominável, que a vida é bem mais que a clareza da clássica palavra, mais do que a lógica matemática da conjugação de sinalagmas. A vida é sonho. A vida é um turbilhão cá dentro. A vida mostro-a e aceito-a em mim.
A finalíssima carta, depois não insisto mais. Que é pouco já o que digo... Palavras gastas pelo tempo, pelas horas que quis matar em mim, pelas esperas incansáveis, pelas vãs esperanças, pelo vazio que em ti cresceu, pela campânula em que me escondo agora, alheia a choques de realidade, distante de um mundo de mundanas sensações sentimentais.
Última carta de amor...que só talvez envie. Para que a leias bocejando o aborrecimento de um ego imenso a inflamar. Para que depois, quase indiferente, a deites para o lixo. E então sim, finalmente, como tanto queria, a última carta de amor da minha vida.
Escrevi a última carta de amor. A derradeira palavra, o gesto final, um último grito, suspiro, apelo, sussurro, se quiseres sussurro apenas, sopro ao teu ouvido como tanto gostavas, sopro as palavras que não sabes dizer mas que gostas tanto de ouvir.
Carta. Palavras cravadas em mim que o vento te leva, que nunca retens, que nada te fica, passageiro, entra forte e sai depressa, como o amor, que te enche de alegria e esfaqueias na ânsia da juventude desregrada, no mercado de mulheres que achas que tens à porta, que te oferecem de mão beijada, fica com a minha filha, fica, é moça casadoira, fica com a minha filha que, verás, o juízo não te amola e tem orgulho em que vás à caça, fica com a minha filha que vive a vidinha simples dos seus 22 anos, que é bonitinha e sossegadinha e a família de bom nome. Um dia ficas, sabes disso? Um dia vais mesmo ficar, e a cidade toda em festa, e tu levado em braços, grande herói das caçadas, o profissional de sucesso, o homem viril, o mais bonito, o mais charmoso, o mais simpático, o presidente da Junta, o rei da aldeia. Podias ser tão melhor, sabias? Se fosses tudo o que em ti pode ser serias quase perfeito. Se olhasses mais à volta e menos para o centro de ti.
A última carta, juro, e não te torturo a cabeça em voltas indescritíveis, não falo em metáfora, não complico. Tudo simples, como gostas, tudo evidente, tudo racional. Em mim fica o inominável, que a vida é bem mais que a clareza da clássica palavra, mais do que a lógica matemática da conjugação de sinalagmas. A vida é sonho. A vida é um turbilhão cá dentro. A vida mostro-a e aceito-a em mim.
A finalíssima carta, depois não insisto mais. Que é pouco já o que digo... Palavras gastas pelo tempo, pelas horas que quis matar em mim, pelas esperas incansáveis, pelas vãs esperanças, pelo vazio que em ti cresceu, pela campânula em que me escondo agora, alheia a choques de realidade, distante de um mundo de mundanas sensações sentimentais.
Última carta de amor...que só talvez envie. Para que a leias bocejando o aborrecimento de um ego imenso a inflamar. Para que depois, quase indiferente, a deites para o lixo. E então sim, finalmente, como tanto queria, a última carta de amor da minha vida.